sábado, 24 de março de 2012

O não final de Fina Estampa: duas senhoras sem destino

Tony Goes

Janete Clair nunca teve dúvidas: entre uma cena realista e meia-boca ou uma impactante e inverossímil, ela sempre ficou com esta última. Ontem Aguinaldo Silva ligou no 220 os ensinamentos da maior autora brasileira de telenovelas, e jogou tudo numa banheira cheia de espuma.

O último capítulo de "Fina Estampa" não teve pé nem cabeça, e por isto mesmo foi divertidíssimo. Quer dizer, alguns personagens até que tiveram finais bastante razoáveis: Esther ganhou a guarda de sua filha, Wallace Mu sagrou-se campeão, Juan e Letícia se casaram, zzzzzz. Alguém aí se empolgou com qualquer uma dessas tramas? Onde "Fina Estampa" extrapolou foi no embate entre Griselda e Tereza Cristina, e é só por causa delas que será lembrada. Não houve exatamente suspense: só os espectadores com menos de cinco anos de idade devem ter achado que a "Pereirão" realmente corria risco de vida.

A expectativa era ver até onde a vilã seria capaz de chegar. Ou melhor: até onde vai a cara-de-pau do autor. Aguinaldo Silva rompeu todas as regras da lógica, e digo isto como um elogio.Onde já se viu a malvada acorrentar sua vítima, sair para uma rapidinha num motel e mais uma execução, e só então voltar para terminar o serviço? Onde já se viu alguém usar secador em cabelos perfeitamente secos? Onde já se viu alguém ser declarado legalmente morto depois de apenas seis dias desaparecido? Também foi inédita a quantidade de palavrões disparada durante o salvamento de Griselda. De fina a cena não teve nada. Aguinaldo parecia estar desafiando a censura informal que ainda vigora no país.

Além disso, recheou os últimos capítulos de auto-referências. Greenville, Giovanni Improtta, Nazaré Tedesco, todos foram citados, de maneira tão gratuita quanto a motivação da Rainha das Terras Férteis. Foi um dos muitos jeitos que o autor encontrou para se dar os parabéns pela novela de maior audiência dos últimos anos.

"FIna Estampa" poderia ter sido uma alegoria do maior fenômeno do Brasil de hoje, o crescimento e ascensão da classe C. Griselda, evidentemente, representaria essa enorme fatia da população, e Tereza Cristina a antiga classe A, que não quer perder seus privilégios. Mas qualquer pretensão sociológica foi sacrificada em nome do entretenimento. E quem sou eu para achar ruim? Deixa os intelectuais discutirem os destinos da nação. Novela é para dar risada, é para descontrair, é para ser absurda mesmo. Quanto mais, melhor.

No final, nem houve final. A madame ressurgiu gloriosa, sem um arranhão, para atazanar novamente a vida da "anta portuguesa". Não duvido que reapareçam numa próxima travessura de Aguinaldo Silva. Suas senhoras não têm destino: continuam vagando por aí, feito assombrações, entre Asa Branca e Tubiacanga.

Fonte: F5

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