domingo, 27 de janeiro de 2013

"O Homem Visível", best-seller do "NYT", perturba ao discutir influência da mídia




Jéssica Oliveira

O que você faria se soubesse que, quando pensa estar sozinho em casa, há alguém o observando? Alguém que o escolhe ao acaso, entra no seu carro ou o segue até seu "refúgio" e vê exatamente tudo o que você faz pelo tempo que bem entender? Não contente, após o conhecer bem, passa a interferir em suas "livres" escolhas. Em outras palavras, o manipula. 

O livro "O Homem Visível", de Chuck Klosterman, questiona, entre outras coisas, se é possível ficar invisível aos olhos de uma sociedade que busca, neste mundo midiático e cheio de informação, saber o que se passa na vida alheia. Com o ser humano tão exposto, seus pontos fortes e fracos saltam aos olhos, tornando qualquer um alvo fácil e potencial fantoche.

Best-seller do New York Times, a obra chega ao Brasil pela editora Bertrand Brasil e conta a história de um homem que cresceu com a obsessão de observar o que as pessoas fazem quando estão absolutamente sozinhas, fora do trabalho, da faculdade, da rua, do bar... Para ele, "esses você" não interessam, pois não são reais.

"Todas as minhas lembranças mais antigas incluem ficar observando as pessoas e imaginando quem elas eram de verdade. [...] Quem eram essas pessoas? [...] Sabia que estava vendo um mundo que não estava lá", disse Y_____ à terapeuta Victoria Vick, como ela decidiu chamar seu estranho paciente, em uma das primeiras sessões, ainda por telefone. 

Através de notas, e-mails, cartas e transcrições de áudio da terapeuta, e seu histórico com o Y_____ o leitor é puxado para a vida deste homem e das pessoas que ele observou. Rico em detalhes humanos, o livro perturba ao fazer o leitor se reconhecer em inúmeras situações de suas atividades mais cotidianas e íntimas.

Ajuda para quem?

Y_____ procura Victoria alegando ser um cientista que utiliza um "traje e creme" especiai, que ele mesmo criou após dar prosseguimento, sozinho e em casa, a um projeto ultrassecreto do governo americano que havia sido abandonado. Quando os usa, afirma que ninguém pode vê-lo, mas se recusa a falar em "invisível", porque para ele "as pessoas veem o que acreditam estar visível", e "olham para o mundo sem enxergar nada que esteja fora de suas expectativas inconscientes". Segundo Y____, não foi apenas para revelar seu segredo que a consultou, mas para aprender a lidar com o sentimento de culpa que resultou das consequências do uso dessa habilidade. 

No entanto, durante as sessões, a relação terapeuta-paciente é drasticamente alterada com Victoria cada vez mais obcecada por aquele cientista e seus relatos detalhados, bizarros e perturbadores. Apesar de tudo que ela achava saber sobre ele e seus "alvos" de observação, era como não saber nada. Ela baixa a guarda e, por vezes, Y____ assume o controle da situação. 

São nesses momentos que o autor usa o "conhecimento" de Y_____ sobre as pessoas, adquirido em seus anos de observação do ser humano autêntico e sem qualquer máscara, para criticar algumas características da sociedade moderna. 

Além da dificuldade de ver o que está bem na nossa frente, ele cita o papel central que o computador assumiu em nossas vidas, o poder do Facebook, o endeusamento da ciência e suas ilusões, a "moralidade falsa e forjada" em nome da boa convivência e a "simpatia" pelos "fracassados coitadinhos". E não para por aí.

Ele ainda usa sua própria condição de ficar íntimo de pessoas que não o notam para descrever um futuro não tão distante. "Em 25 anos todo mundo vai falar assim. As crianças já vivem dentro de computadores. Por fazerem amigos pela internet, não entendem como funciona a comunicação não verbal, a linguagem corporal ou o sarcasmo casual", afirma. "Em cem anos, ninguém mais será capaz de falar em público. Conversar vai ser uma atividade ultrapassada", continua.

Realidade invertida

Outra crítica forte do livro é sobre a percepção errada em relação à TV e à passividade da sociedade ante questões importantes. "A televisão é uma forma de entretenimento de uma só via, mas não é assim que as pessoas querem pensar nela. Querem acreditar que estão envolvidas de alguma forma. É por isso que conversam com a TV, [...] ficam contrariados quando um personagens não se comportam de forma agradável, [...] adoram programas que envolvem votações", diz. 

Segundo ele, a sociedade acredita que suas experiências pessoais com a TV produzem um efeito no que ela é, mas que "em suas vidas reais", se sentem impotentes. "Acham que votar não tem valor. Pensam que se importar com algo é um risco. Presumem que não exercem controle sobre nada e por isso nem tentam. Percebem a realidade ao contrário", lamenta.

Entrelinhas

Y_____ diz que a realidade a que teve acesso não era uma "realidade de cinema", mas apenas a realidade, sem aspas. "Aprendi que as pessoas não consideram o tempo que passam sozinhas como parte de suas vidas. [...] mas precisam que suas ações sejam examinadas e interpretadas, para acreditar que o que fazem tem importância", aponta.

Logo nas primeiras sessões ele confidencia que "destruía a vida das pessoas sem seu consentimento", mas ao final do livro, entre tantas outras, fica a pulga atrás da orelha: com ou sem?

O autor
Chuck Klosterman nasceu em 1972 e é autor de diversos livros de ficção e não ficção. Seus livros sempre fogem da linguagem jornalística e se enviesam para o não comercial, mais sofisticado. Ele escreve para veículos como GQ, Esquire, New York Times Magazine, Spin, The Believer, The Guardian, ESPN, Grantland.com. "O Homem Visível" é sua estreia no Brasil.


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