quinta-feira, 8 de julho de 2010

O "X" da questão do conflito existencial

Considerado um "romancista católico" pela crítica, uma alcunha que não gostava, preferia se chamado de escritor que tem como religião o catolicismo, o escritor inglês Henry Graham Greene (1904-1991 - foto) deixou diversos livros de ficção que marcaram a literatura mundial. Greene agrupava sua obra em duas categorias: romances e entretenimentos. Sua marca pessoal era tratar de questões morais e políticas do seu tempo por meio de histórias de suspense, mistério e drama, desenvolvidas em cima de uma meditação subliminar sobre os pecados. Bem que mereceu o Nobel de Literatura, premiação a qual foi indicado algumas vezes, mas que nunca levou.

Um autor que caprichou na ação e enveredou em conjunto as angústias do ser humano. Escritor tão popular, que era difícil de imaginar que há algum tempo não se via obras suas nas prateleiras dos lançamentos. Contudo, após o sucesso da adaptação para o cinema Fim de caso, com Julianne Moore e Ralph Fiennes, seus títulos ganharam reedições.

Entre os quais, o livro O Cerne da Questão (The heart of the matter, tradução de Otacílio Nunes, 400 páginas - Editora Globo). Uma de suas obras mais marcantes, por mostrar os conflitos humanos em seus personagens – outro aspecto de sua obra – e que travam uma guerra impessoal em torno de questões como o livre arbítrio ou a graça. Algo que remete ao catolicismo, religião que Greene abraçou em 1926. Sentidos ocultos em lugares distantes seria uma crítica resumida de suas características narrativas.

Com o brilhante prefácio Nó Górdio, do critico e professor Carlos Vogt, O Cerne da Questão é uma obra séria, bem amarrada ao estilo claro que Greene construiu. Publicado originalmente em 1948, ganha agora uma nova tradução, bem reformulada deste o seu título, anteriormente O Coração da Matéria ao final da narrativa.

Ambientada num país africano da África Ocidental, que sabemos ser Serra Leoa, pelas memórias escritas pelo autor, O Cerne da Questão, narra os problemas enfrentados por Henry Scobie, major da policia colonial inglesa, durante o período da II Guerra Mundial.

 Vivendo naquele local com sua esposa, Louise, uma mulher solitária que adora poesia, que se sente estranha e isolada naquela sociedade. O major inglês sente se responsável por sua felicidade, e tenta ajudá-la, mas traumatizado com a morte da filha em um naufrágio e descontente com tudo ao seu redor, sente incapaz de amar alguém, somente a Deus.

Católico, Scobie prefere enviar sua esposa para a África do Sul, para não a ver sofrer. Principalmente após perder a chance de ser nomeado Comissário, afligindo mais ainda Louise, por suas esperanças pessoais. Nesse ínterim, um novo naufrágio faz reaparecer a dor da perda em Scobie ao testemunhar a morte de uma menina, entre os sobreviventes estão um garoto para quem lê histórias no hospital e Helen Rolt, que fica viúva no acidente e se torna amante do major.

A chegada do novo inspetor, Wilson, que se apaixona por Louise e a chantagem de Yusef, contrabandista sírio que descobre o seu adultério são elementos perturbadores do enredo de O cerne da questão. Scobie se encerra em seu desejo de perfeição à sua esposa, a sua amante, ao mundo, e nesse anseio em ser virtuoso a todo custo se rivaliza com Deus, em seu interior e a punição são a culpa e o castigo.

Um romance realista e na carreira de Greene, o romance é um livro capital. A temática do suicídio no final, colocado em dúvida aos personagens, e que para o leitor seja uma asserção de que o suicídio do protagonista é uma confissão do fracasso diante dos desígnios divinos ou um derradeiro ato de soberba de quem quer governar a própria morte.

Scobie é um personagem que lembra outras figuras que Greene   construiu, como o jovem delator de contrabandistas em O Outro Eu (The man within, 1929), ou o desesperado Pinkie de O Condenado (Brighton Rock, ) ou ainda o sacerdote indigno de O Poder e a Glória (The Power and the Glory). Todas perseguidas por seus infortúnios, com a diferença que o perseguidor e a vítima são uma só pessoa; a caça aqui é simbólica, ou serve, como uma intriga opaca que Greene desenvolve em seu convencionalismo.

Um livro que culpa e expiação são os fios condutores de seus personagens. Vale a pena ler.

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