domingo, 5 de fevereiro de 2012

Diretor de "O Artista" fala sobre produção e sucesso de seu longa mudo e preto e branco

Jean Dujardin e Bérénice Bejo em cena de "O Artista"
Fernanda Ezabella

A limusine para na frente do casal, na porta do hotel cinco estrelas, em Los Angeles. "Só podem ser estrelas de cinema", diz, tentando adivinhar, um hóspede.

Talvez se não falasse tão alto e não estivesse tão colorida num vestido azul brilhante, seria mais fácil reconhecer Bérénice Bejo, atriz do filme mais improvável e comentado da temporada, mudo e preto e branco.

Ela está ao lado de Michel Hazanavicius, seu marido, que escreveu e dirigiu "O Artista". No longa, o astro do cinema mudo George Valentin (Jean Dujardin) se nega a entrar para os filmes falados, na Hollywood dos anos 20. O ator conta com a ajuda da dançarina Peppy Miller, interpretada por Bejo.

"Fizemos apesar de tudo, apesar do senso comum. Há algo de tocante nisso", diz Hazanavicius, no bar do mesmo hotel, algumas semanas depois. Aos 44, ele é diretor de duas sátiras de espionagem protagonizadas por Dujardin, uma delas rodada no Rio. Leia a entrevista:


*
Folha - Quantas vezes você teve que ouvir que era louco?
Michel Hazanavicius - Muitas vezes, muitas. Quando eu falava sobre o filme, não me levavam a sério, apenas sorriam, mas não aquele sorriso legal, sabe? Quando comecei a trabalhar com Thomas [Langman, produtor], as coisas ficaram mais simples, virou um filme de verdade. Antes era mais fantasia. Acho que nem eu estava totalmente convencido.

Por que escolher, hoje, fazer um filme mudo hoje?
É um formato é incrível, um jeito muito diferente de contar uma história. Não sou especialista, mas amo filmos mudos. Os bons, claro, porque os ruins são realmente chatos, não dá para ver. É uma nova experiência para a plateia de hoje, funciona com outra parte do cérebro. Você preenche a falta de som com sua própria imaginação, faz o filme ficar muito mais próximo do público, que é envolvido no processo de contar história. As pessoas acham que filmes mudos são filmes velhos porque foram feitos nos anos 20. Minha ideia era fazer um filme mudo hoje, mas sem ser velho, mesmo sendo de época, com o benefício de 80 anos de sofisticação de narrativa. Os atores têm uma atuação moderna, com os códigos de hoje e não dos anos 20. O uso da música é moderno, e não apenas um piano simples. Achei que tinha um filme que ninguém tinha feito antes.

O que deu mais trabalho?
O desafio técnico real foi o roteiro. Eu não tinha as mesmas ferramentas. Queria contar uma boa história, com boas sequências e bons personagens. Algo que não entediasse o público, este era o ponto. Mas você não tem as mesmas ferramentas, não lida com diálogos, com palavras, mas apenas imagens para contar a história. É uma grande diferença.

E o que muda para os atores?
Há 68 atores no filme e nenhum deles atuou mudo, de forma silenciosa. Era tudo muito natural. Quando as pessoas pensam em filmes mudos, pensam logo em atuações exageradas. Mas não é verdade. Alguns atores atuavam de forma natural nos anos 20. E aqui pedi para eles agirem de forma bem natural também. A grande diferença é a forma como você escreve a história e como você faz para as pessoas entenderem sem palavras. O público percebe a performance de forma totalmente diferente. Quando não se tem palavras nem diálogos, você presta muito mais atenção nas imagens. Olha para os atores e foca em cada detalhe, em cada expressão. Por exemplo, quando Steven Spielberg faz um filme, você entende tudo com seus olhos, é um diretor muito visual. Tenho certeza de que se tirar o som de seu filme, você vai entender tudo.

Foi mais difícil achar locações dos anos 60 no Rio, quando você filmou "Agente 117 - Rio Não Responde Mais" (2009), ou agora em Los Angeles, quando veio em busca de cenários dos anos 20?
No Rio, dá para encontrar belas arquiteturas dos anos 60 em qualquer lugar. Há prédios muito interessantes no Brasil. E filmamos também em florestas, rios.

Tem uma cena dentro do Copacabana Palace?
Não, o hotel não era muito anos 60, tinha uma arquitetura meio neo grega. Era muito caro também. Filmamos em outro hotel em Copacabana, com uma pequena piscina, um lobby ótimo, o lugar era perfeito. Há também no Rio prédios dos anos 70 e até 80 que são tão estilísticos. E Brasília, claro, filmamos um dia, filmamos aquele prédio do Congresso.

E como foi em Los Angeles?
Aqui foi talvez mais difícil porque era anos 20. Há coisas que não dá para saber se é 1968 ou 1978, dá para aceitar certos prédios, ninguém vai saber. [A estética dos] anos 20 é mais exata e difícil de achar. Mas há muitos interiores e locações que estão em condições perfeitas, como restaurantes e teatros.

O formato diferente mudou seu jeito de filmar?
Normalmente, quando os diretores fazem um filme de época, eles recriam o que estão filmando, mas não recriam o jeito de filmar. O que eu fiz foi recriar o jeito de filmar. As luzes, os frames, o estilo de filmar, tentei respeitar tudo. Meu ponto é: se eu estou fazendo um filme que acontece nos anos 20, não vou usar uma "steadicam" [câmara acoplado ao corpo do operador] ou uma grande angular porque eu nunca vi pessoas nos anos 20 assim. Para mim, a câmera é o olho que você dá ao público. Seria muito estranho uma "steadicam" nos anos 20. Se você respeita o jeito de filmar, fica tudo muito mais preciso.

O que acha de Hollywood gastar tanto em novas tecnologias e um filme como o seu roubar a cena e os prêmios?
Não sei como explicar. Não é meu trabalho. Meu trabalho é fazer filmes e tento dar o meu melhor. Era um filme que queria fazer a qualquer custo, apesar de muita gente. Estou muito feliz com a resposta. Acho que Harvey Weinstein serve para isso, ele é um maestro para apresentar o filme. Há muitos trabalhos maravilhosos todos os anos, e a gente se sente muito sortudo de estar aqui. Ele pegou esse filme, achou que era lindo, cuidou do lançamento, apresentou para a imprensa, levou a festivais, tomou seu tempo. Formou as melhores condições possíveis para o público apreciar o trabalho. Talvez o filme relembre as pessoas porque elas gostam de cinema acima de tudo. Há algo meio infantil, você olha como se fosse pela primeira vez. É uma história "era uma vez", num filme bem estranho, em preto e branco, eles falam e você não ouve. É uma estranha representação da realidade. Não é nada realístico. É um show. Não sei, talvez as pessoas se sintam tocadas porque é um filme muito improvável, que vem de lugar nenhum.

Você se sente um peixe fora d'água nessas premiações?
Não, porque um peixe fora d'água morre [risos]. Me sinto como uma criança na Disneylândia. Olho para todos os lugares e vejo ícones. É realmente incrível. Dois dias atrás tive uma conversa com Meryl Streep e ela foi tão simpática. Ontem alguém me contou que Lauren Bacall viu o filme duas vezes na sequência e, no dia seguinte, viu pela terceira vez. Estas coisas são inacreditáveis.

Sente que está carregando a bandeira da França?
Oh, não, não. Eu realmente não ligo para isso. Não tenho vergonha de ser francês, mas também não tenho orgulho. Eu não tenho bandeiras. Sou diretor de cinema.

Apesar de ser um filme sobre o cinema mudo e falado, qual a mensagem da história para o público de hoje?
As pessoas ficam tocadas pelo formato, mas elas temem que seja apenas um artifício. E ficam felizes de que há uma história por trás. Tem a história de amor e todo mundo ama histórias de amor, mas não é esse o ponto. Há algo sobre como o mundo está girando cada vez mais e mais rápido. No século 19, por exemplo, você nascia num mundo e morria no mesmo, nada quase mudava. Hoje você nasce num mundo e vai morrer num outro muito mais diferente. O jeito de trabalhar, de ter família, o jeito de se comunicar, viajar, tudo está mudando. Isto significa que teremos que enfrentar estes períodos de transições e nos adaptar. Isto é um temor para muita gente. Quando eu era criança, pessoas passavam a vida toda trabalhando na mesma fábrica ou no mesmo escritório. As pessoas têm medo do futuro, das crises. Então talvez isto ressoe no filme. Outra coisa, e digo isto porque muita gente me falou: as pessoas se sentem tocadas pela forma como foi feito. É um filme muito improvável, ninguém acredita no filme. E acho que existe algo tocante nisto, fizemos apesar de tudo, apesar do senso comum.

Dá para comparar o personagem do filme, um ator do cinema mudo que se nega a fazer filmes falados, com atores de hoje hesitantes com processos tecnológicos, como o CGI [imagens geradas por computador através de uma performance real, como em "Avatar"]?
Não sei, acho que não. Sabe, se tivesse que votar para o Oscar, eu votaria em Andy Serkis. Eu amo "Planeta dos Macacos: A Origem". É maravilhoso, muito bem escrito, muito bem trabalhado. E a performance do personagem é inacreditável, faz com que as pessoas acreditem que um macaco possa falar. Mas você pode ter Andy Serkis e Jean Dujardin num filme bem tradicional. É a diversidade do cinema. Um dos dramas do passado é que a geração dos filmes falados nunca voltou para ver os filmes mudos. Então meu único medo é se todas as TVs virassem 3D e ninguém mais assistisse a 2D. Seria uma vergonha. Há tantos filmes maravilhosos. Mas não acho que o futuro irá matar o presente. Será uma continuação.
Os filmes favoritos de Michel Hazanavicius
(clique para ampliar)

Como você começou a ver filmes mudos?
Quando eu era criança, lembro que meu avô me levava com meu irmão para um cinema onde passavam apenas filmes mudos, Charles Chaplin, Buster Keaton e "O Gordo e O Magro". Mas eram mais esquetes de comédia, não filmes tradicionais. Esses eu conheci mais tarde na vida. E quando já era diretor, realmente virou uma fantasia fazer um filme mudo. E preciso dizer que não sou o único. Você não imagina quantos diretores já vieram me dizer que sonham em fazer. Alguns deles estão na corrida pelo Oscar. Mas não vou dizer nomes...

E como faz para encontrar esses filmes hoje em dia?
Esse é o grande benefício da internet, dá para achar de tudo. Na Amazon, por exemplo. Em Paris, temos a Cinemateca, que tem uma programação incrível.

É verdade que seu próximo filme será um remake de "The Search" (1948)?
Não será um remake total. O original se passa na Segunda Guerra Mundial, sobre uma mãe à procura do filho, que por sua vez cruza com um soldado do exército americano. O cenário é a Europa e a Alemanha do pós-guerra. Queremos fazer nos dias de hoje, com outros cenários.

Fonte: Folha Ilustrada


Ficha:
The Artist (O Artista)
Diretor: Michel Hazanavicius 
¶ Dez indicações ao Oscar 2012: Melhor filme, diretor, ator, atriz coadjuvante,  roteiro original, trilha sonora, direção de arte, fotografia, figurino e montagem



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